VARELA, Carmen Augusta (2009). "Maus samaritanos: o mito do livre-comércio e a história secreta do capitalismo". Revista de Economia Política, vol.29, n.1, pp. 150-152, janeiro-março/2009. <http://www.scielo.br/pdf/rep/v29n1/09.pdf>
Maus samaritanos:    o mito do livre-comércio e a história secreta do capitalismo
Ha-Joon Chang
Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
Ha-Joon Chang
Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
O  livro Maus Samaritanos    é dividido em nove capítulos e um epílogo e  apresenta uma    abordagem crítica à teoria econômica heterodoxa.  Ha-Joon    desenvolve várias analogias ao longo do texto, tentando  esclarecer suas    críticas. Algumas delas são bastante interessantes,  como a que    faz em relação ao desenvolvimento de seu filho Jin-Gyu,  que tinha    seis anos quando da publicação original do livro em inglês,     em 2006, e a proteção necessária à indústria    nascente nos países  em desenvolvimento. Ele diz que se a legislação    permitisse, poderia  mandar seu filho para o mercado de trabalho, mas com isso,    ele  estaria fadado a ter eternamente subempregos. Seria muito difícil     conseguir se tornar um médico ou um físico nuclear, por exemplo.    Para  que isso fosse possível, ele teria que proteger e investir na educação     de seu filho por no mínimo mais doze anos. O mesmo ocorre com a  indústria    nascente: se ela é exposta rapidamente ao livre-comércio,  posição    defendida pelos economistas neoliberais, muito provavelmente  não irá    conseguir sobreviver, porque, assim como seu filho, precisa  de um tempo para    conseguir trabalhar com tecnologias avançadas e  construir organizações    eficientes. O autor observa que é errado  inserir o seu filho no mercado    de trabalho com seis anos, expondo-o  precocemente à concorrência,    mas também é errado subsidiá-lo até os  quarenta    anos. Isso tem que ser feito somente até o momento em que  ele consiga    ter a capacitação necessária para obter um emprego  satisfatório.    O mesmo funciona em relação às empresas, que não     podem ser subsidiadas e protegidas eternamente.
O  que todos devem    estar se perguntando é quem seriam os Maus  Samaritanos e por que são    assim chamados? Ha-Joon retirou a idéia do  nome de seu livro de uma parábola    da Bíblia, sobre um homem que foi  roubado na estrada e recebeu ajuda    de um "Bom Samaritano". Os  Samaritanos eram vistos como pessoas que tentavam    tirar vantagens dos  indivíduos que tinham algum problema. No prefácio    da versão em  inglês do livro, o autor esclarece que chama de Maus    Samaritanos os  países ricos que indicam, hoje, políticas neoliberais    como a defesa  de livre mercado e livre comércio, para os países    pobres, tentando  evitar que eles sejam no futuro seus possíveis concorrentes.     Demonstra que esses países ricos não fizeram no passado o que    hoje  recomendam, quando sua indústria ainda estava se desenvolvendo.    Ele  diz também que o que mais o intriga é saber que muitos desses    Maus  Samaritanos não percebem que estão fazendo recomendações    ruins para  as economias dos países pobres. Segundo ele, a história    do sucesso do  capitalismo foi reescrita tantas vezes, de tal forma que muitos     economistas dos países ricos não conseguem mais perceber o erro    de se  recomendar livre comércio e livre mercado para os países    em  desenvolvimento. Como ele mesmo diz, alguns desses Maus Samaritanos têm     uma crença honesta, porém equivocada, de que esta é a verdadeira     receita de sucesso que seus países utilizaram no passado para se tornar     ricos. Para sua surpresa, até mesmo seu país, a Coréia    do Sul, faz  essas recomendações para outros países.
As  pessoas fazem    várias afirmações em relação ao caminho percorrido     para se chegar ao desenvolvimento econômico pelos países ricos     atuais, mas quando fazemos uma análise mais apurada e verificamos dados     históricos, percebemos que a história não ocorreu exatamente    como é  contada hoje. Um outro livro lançado recentemente no Brasil,    por  Ernesto Lozardo, professor da Fundação Getúlio Vargas    de São Paulo  (FGV-SP), intitulado Globalização: a certeza    imprevisível das nações,  assim como o livro de Ha-Joon,    faz também uma análise da verdadeira  trajetória percorrida    por países como, por exemplo, a Coréia, para  alcançar o    desenvolvimento econômico.
Chang  demonstra    claramente, não somente neste livro, mas também em suas  publicações    anteriores, que todos os países considerados  desenvolvidos protegeram    de uma forma ou de outra sua indústria  nascente, no início de    seu processo de desenvolvimento econômico.
Também  no    prefácio do livro, Ha-Joon faz um instigante relato de sua vida  pessoal    e familiar, tentando demonstrar como era a vida das pessoas e  a economia da    Coréia do Sul na época em que nasceu, em 1963, quando  seu país    era tido como pobre, frisando as mudanças radicais que  aconteceram, fazendo    com que hoje seja considerado um dos países mais  ricos do mundo. Nesse    relato, o autor também afirma que apesar de  atualmente a Coréia    ser tida como uma das nações que mais promove  inovações    tecnológicas, até a metade dos anos 1980 era considerada  uma das    "capitais da pirataria" do mundo. Ha-Joon conta que boa parte  dos livros estrangeiros    que utilizou, estudando para entrar em  Cambridge, eram pirateados, porque os    livros legalmente importados  eram vendidos por preços muito altos, mesmo    para pessoas de família  de classe alta e que dava prioridade para a educação,    como a dele.
Os  capítulos    1 e 2 do livro apresentam uma análise histórica sobre a  evolução    do capitalismo e a globalização. Os capítulos 3 a 9 abordam     uma série de discussões em relação às recomendações    feitas pela  teoria econômica chamada de ortodoxa, tentando descobrir a    "real  verdade" sobre algumas afirmações tidas como "verdadeiras".    Nessa  parte do livro, ele discute, dentre outros assuntos, questões como    a  da regulamentação ou não de investimentos estrangeiros,    se as  empresas privadas são mesmo melhores do que as empresas públicas    e a  relação existente entre democracia, propriedade intelectual,     corrupção e cultura e o processo de desenvolvimento econômico.
O  objetivo principal    do livro é achar argumentos e exemplos sobre o  fato de que nem sempre    as políticas atualmente recomendadas aos  países em desenvolvimento,    por parte dos países ricos e de organismos  internacionais como o FMI    (Fundo Monetário Internacional) ou o Banco  Mundial, foram utilizadas    da mesma forma por esses países, no  passado, ou são viáveis    para os países pobres nos dias de hoje.  Discute também a importância    do papel do estado no processo de  desenvolvimento, criando incentivos para alguns    setores considerados  estratégicos na economia, regulamentando outros    e utilizando  políticas anti-cíclicas, contrárias às    utilizadas pelos outros  agentes econômicos. Como o próprio autor    diz, os países ricos seguem  políticas keynesianas, mas recomendam    para os países pobres políticas  monetaristas.
Cabe  observar que    Chang publicou a versão de seu livro em inglês em 2006,  portanto,    antes da última crise financeira global. Ainda assim,  pode-se extrair    de seu texto algumas observações e recomendações     bastante interessantes, que poderiam ser levadas em conta pelos países     no contexto atual. Dentre essas análises, podemos destacar a discussão     que faz, comparando eficiência entre empresas públicas e privadas,     onde afirma que grandes empresas privadas, que não são geridas    por  seus donos majoritários, porque têm sua propriedade acionária    diluída  entre vários acionistas, podem sofrer dos mesmos problemas    que as  empresas públicas, relacionados à questão do agente    principal,  existência de freeriders e problemas envolvendo restrições     orçamentárias brandas, ou gestão relaxada do orçamento.    No capítulo  5, afirma que empresas privadas grandes, consideradas politicamente     importantes em função da área que atuam ou do número    de trabalhadores  que empregam, em casos de crise ou má gestão,    acabam recebendo  socorro do estado, mesmo em países geridos por governantes    que  defendem o livre mercado. Argumenta também que os neoliberais recomendam     para os países pobres bancos centrais independentes, mas lembra que  os    funcionários desses bancos, tidos como tecnocratas  não-partidários,    na maioria das vezes dão muita atenção ao setor  financeiro,    implementando políticas a seu favor e contra a indústria e  os    trabalhadores assalariados. Por isso, é importante que os  funcionários    de um banco central possam ser supervisionados pelos  políticos, visando    defender interesses da nação como um todo e não de  grupos    específicos; a independência de um banco central impede isso.  Além    disso, lembra que os economistas ortodoxos recomendam a  desregulamentação    dos mercados, mas que as crises financeiras dos  anos 1990 e início dos    anos 2000 foram remediadas com regulamentações  de bancos e de    outras empresas do setor financeiro.
No  epílogo    do livro o autor ousa, criando uma estória de ficção,  chamada    pelo autor de "história do futuro", sobre uma empresa de  nanotecnologia    situada na cidade de São Paulo, em 2037, e sua luta  para sobreviver num    mundo globalizado, após a derrocada da economia  chinesa em 2029, quando    passou a fazer parte da OCDE (Organização  para a Cooperação    e o Desenvolvimento Econômico) e liberalizou seu  mercado de capitais.    Apesar das ressalvas, em função de ser uma  ficção,    o autor tenta fazer um alerta para os governantes, de que as  políticas    nacionais e internacionais atuais precisam sofrer mudanças,  para que    possa ocorrer o desenvolvimento econômico dos países e a  diminuição    da pobreza e das disparidades distributivas.
Ha-Joon  utiliza,    ao longo de todo o seu texto, dados históricos e inúmeros  exemplos    de sucesso ou fracasso de empresas e países, explicando, de  forma extremamente    didática, uma série de conceitos da teoria  econômica. Seu    trabalho resultou num livro interessante e altamente  recomendável para    todos os leitores que se interessam pela área de  desenvolvimento econômico    e que realmente se preocupam com a  diminuição da pobreza que assola    o mundo atual.
Carmen    Augusta Varela    
Professora da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP)
Professora da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP)
VARELA, Carmen Augusta (2009). "Maus samaritanos: o mito do livre-comércio  e a história secreta do capitalismo". Revista de Economia Política, vol.29, n.1, pp. 150-152, janeiro-março/2009. <http://www.scielo.br/pdf/rep/v29n1/09.pdf> 

 
 
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