terça-feira, 28 de outubro de 2014

Geografia das Eleições 2014

Blog Geografia & Geopolítica, 28/10/2014

Geografia das Eleições 2014: 
uma análise da cartografia do voto e 
algumas considerações políticas para o Brasil


Neste segundo turno, a Presidenta Dilma (PT) foi reeleita com 51,64% dos votos válidos totais, contra 48,36% de Aécio Neves (PSDB). Assim como nas eleições de 2010, a análise da distribuição geográfica dos votos do 2o turno das eleições Presidenciais no Brasil tem gerado algumas polêmicas, muitas delas infundadas. A principal, deve-se à difusão de algumas interpretações bastante reducionistas, muito comuns na nossa grande imprensa, de que uma região ou outra votou em um candidato ou outro e, portanto, determinadas regiões seriam as "responsáveis" pela eleição de um candidato e a derrota de outro.

Importa lembrar que a interpretação dos resultados de uma eleição competitiva e intensamente disputada, é sempre objeto de controvérsias políticas, que, se mantidas dentro do respeito à pluralidade e à diversidade típicos do Brasil, pode colaborar para fortalecer a democracia. A difusão simplificada e reducionista de dados complexos, pode, em contrapartida, ser bastante danosa para nosso regime democrático e para o Estado brasileiro. Para analisarmos estas questões, apresentaremos aqui exemplos de como podemos representar a complexidade de uma eleição de forma simplificada, em mapas ou cartogramas gráficos que podem ajudar explicar ou confundir o cidadão.

A representação da realidade geográfica e política em mapas ou cartogramas sempre envolve a redução e a simplificação de uma realidade complexa e, muitas vezes, intangível. A representação gráfica de dados quantitativos em mapas ou cartogramas pode ser feita de diversas formas, dependendo de que aspecto dos dados se quer destacar ou omitir. No caso dos resultados eleitorais, a versão mais simples dos mapas difundidos em um primeiro momento pelos meios de comunicação foi a mais simples possível, como o mapa representado a seguir: 




Este padrão de mapa usa apenas duas cores, vermelho e azul, para representar a vitória de um ou outro partido por estado da federação. É muito parecido com o modelo predominantemente utilizado nas eleições nos Estados Unidos, onde a eleição é indireta, e, em muitos estados, o que importa é quem venceu, pois o vencedor "leva tudo", ou seja, fica com todos os representantes daquele distrito eleitoral para o colégio eleitoral nacional. 

Entretanto este mapa é completamente disfuncional para a realidade brasileira, onde a eleição para Presidente é direta e cada voto tem o mesmo valor, independente do estado. Assim, este tipo de mapa não permite ter uma ideia minimamente detalhada ou que se apresente como próxima da realidade do resultado total da eleição no país. A simplificação dos totais conforme a vitória por estado esconde uma série de detalhes, como o fato de que a Presidente Dilma não teve menos que 40% dos votos em nenhuma das grandes regiões do país e, ainda, que dentro dos estados existem grandes variações nestes percentuais por município. Também esconde o fato que alguns colégios eleitorais são muito maiores do que outros, como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. Aos desavisados pode passar a errônea ideia de que todos os eleitores daquele estado votaram em um candidato e o outro não teve votos naquele mesmo estado. 

Para reduzir um pouco essa simplificação, o método mais comum é escalonar as cores em tons, criando uma micro-escala de dois tons de vermelho e dois de azul. 
Fonte: Estadão

Contudo, mantém-se o problema do uso de apenas duas cores, que pode levar à indução de um erro básico de interpretação visual dos resultados, já que a vitória percentual não representa os totais dos estados nem a diversidade dentro destes.

Uma solução interessante para superar este impasse e manter a representação dos votos conforme os distritos eleitorais estaduais é o uso de uma escala ponderada, com maior diversidade de cores, como no mapa a seguir:
 
Fonte: Thomas Conti

Uma representação gráfica alternativa, que busca valorizar a divisão do eleitorado dentro dos estados, destacando os percentuais de cada candidato dentro de cada unidade da federação, é esta a seguir: 

Autora: Amanda Dassié


Para visualizar os detalhes do desempenho dos dois candidatos dentro de cada estado, os mapas que dividem o resultado por município, ao invés de por estado, podem se mostrar bastante interessantes, como nos casos a seguir:

Fonte: G1

Fonte: Jornal O Globo

A principal vantagem deste tipo de mapa é que permite ver detalhes dentro dos estados. Por exemplo, é possível visualizar que municípios que tiveram grande crescimento econômico devido aos investimentos federais dos últimos anos, como o de Rio Grande (RS), em que foi criado um polo naval, tiveram maioria dos votos para o PT, enquanto regiões ricas e tradicionalmente conservadoras, como o interior de SP, tiveram maioria dos votos para o PSDB.

Na tentativa de diferenciar melhor o tamanho da população de cada município ou a diferença total entre os candidatos nos maiores municípios, outras alternativas podem ser as representações a seguir:

Fonte: Jornal Gazeta do Povo
Fonte: Estadão


O nível de detalhamento pode ser ampliado até o nível dos bairros das grandes cidades, como nos casos a seguir, das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro:

Fonte: Folha-UOL

Embora estes gráficos valorizem um pouco mas a população total das maiores cidades ou permitam ver detalhes dos municípios e bairros,  eles não permitem ver o total absoluto de votos que é a informação mais importante para se compreender o resultado de uma eleição deste tipo. 


Contudo, é possível manter a separação por estado e ainda  mostrar o total de votos absolutos, que nenhum dos mapas anteriores representa tão bem como em um cartograma gráfico do tipo disposto a seguir:

Eleições 2014: votação absoluta por estado
Fonte: Estadão


Neste caso, fica muito claro que a Presidenta Dilma teve votações expressivas em todo o país, em especial nos maiores colégios eleitorais do Brasil, o que acaba com um dos diversos mitos que vêem sendo difundidos à partir da interpretação equivocada de certos mapas. 

Comparando o mapa com os dados do TSE, nota-se, por exemplo, que a maior votação de Dilma foi no estado de São Paulo, maior colégio eleitoral do país, onde dos 23,7 milhões de votos válidos, Dilma obteve mais de 8 milhões de votos, mais precisamente 8.488.383 de votos. Apesar da vitória de Aécio em São Paulo, a votação de Dilma em outros estados do sul e sudeste foi expressiva, com quase 6 milhões em Minas Gerais (que obteve 5.979.422 votos), onde Dilma venceu Aécio (5.428.821) e quase 4,5 milhões no Rio de Janeiro (4.488.183), onde Dilma também venceu Aécio (3.681.088). 

Ainda considerando os maiores colégios eleitorais, Dilma teve 5.059.228 votos na Bahia, contra 2.151.922 para Aécio, e quase 3 milhões no Rio Grande do Sul, onde Dilma obteve 2.997.360 votos, contra 3.452.355 para Aécio. Além disso, Dilma teve maioria absoluta em estados com colégios eleitorais de peso como Pernambuco (3.438.165), Ceará (3.522.225), Pará (2.103.829) e Maranhão (2.475.762) e Paraná (2.408.740) e obteve uma votação expressiva nos demais estados, com mais de um milhão de votos em diversos estados do norte (Amazonas), nordeste (Piauí, Paraíba, Rio Grande do Norte), do Centro-Oeste (Goiás) e do Sul (Santa Catarina). 

A comparação dos dados absolutos com os percentuais é interessante porque permite vislumbrar que mesmo em estados onde Dilma teve menor percentual de votos, como em Santa Catarina (35%), São Paulo  (36%) e Paraná (39%), a votação absoluta foi bastante significativa, pois obteve 1.353.808 votos em Santa Catarina, além dos já citados 2.408.740 no Paraná e 8.488.383 em São Paulo. Portanto, somando-se os três colégios eleitorais da região sul-sudeste em que Dilma obteve menor percentual de votos, representam mais de doze milhões de votos, mais precisamente 12.250.931 votos, ou seja, o dobro do que obteve em Minas Gerais ou na Bahia. 

Fonte: Rede Brasil Atual


Somando-se a totalidade dos votos que Dilma obteve nos sete estados das regiões Sul-Sudeste, nota-se que o total atinge mais de 26 milhões de votos, precisamente 26.627.802 votos, e somando-se a votação obtida nos 16 estados do conjunto das regiões Norte e Nordeste, Dilma obteve mais de 24 milhões de votos, especificamente 24.569.880 votos. Neste sentido, embora tenha tido maioria no Nordeste e Norte, Dilma não seria eleita sem a votação expressiva das regiões Sul e Sudeste. 

Estes dados nos permitem inferir, primeiramente, que os maiores colégios eleitorais do país continuam tendo um peso significativo na definição das eleições presidenciais, mas não definem as eleições sozinhos. Apesar da vantagem total de Dilma nos colégios eleitorais do Nordeste, fica claro também que uma única região não seria suficiente para elegê-la se não fossem as votações expressivas que recebeu no Sul e Sudeste. 

O problema do extremismo

Neste contexto, importa destacar que a reação de grupos extremistas ultra-conservadores que vem tentando deslegitimar o voto popular e a reeleição da Presidenta Dilma, mostra-se uma ameaça potencial para a Democracia no Brasil. Ainda mais grave é a ameaça representada por indivíduos anti-Brasil que foram eleitos, como a de um desesperado e desconhecido político de São Paulo, que veiculou a intenção de iniciar um movimento extremista separatista, apenas porque estava inconformado com a derrota do seu candidato nas eleições Federais.

É fundamental que o país não permita a propagação deste tipo de ideia anti-nacional absurda, claramente xenófoba e extremista, que ameaça a integridade territorial do Brasil. Esta modalidade de manifestação, ainda mais vinda de um representante eleito, não poderia jamais ser interpretada como uma brincadeira de um sujeito que perdeu a sanidade. Este é caso grave, de ataque à legalidade e à Constituição, que deve ser levado à Justiça e o réu julgado com todo o rigor da lei.  

Cumpre lembrar que a Constituição Federal estabelece, logo em seu 1º artigo, que acima de tudo está a união indissolúvel de estados e municípios:

"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
  I - a soberania;  
  II - a cidadania; 
  III - a dignidade da pessoa humana;  
  IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;  
  V - o pluralismo político.  
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

Resta lutarmos para que essa suposta "divisão" geográfica do voto no país, propagada de forma irresponsável por parte da imprensa e de alguns indivíduos, nunca se materialize na forma de reações políticas extremistas. A integridade territorial é basilar para assegurar o desenvolvimento nacional, a geração de emprego e a distribuição de renda, sendo também fundamental para que o país possa defender sua soberania e, ainda, para que o país possa se engajar na liderança da integração regional sul-americana. A força geopolítica do Brasil reside justamente em sua diversidade e unidade, portanto não podemos permitir que os inimigos do Brasil tentem apagar nossa diversidade, nem fragmentar nossa unidade. As eleições e o jogo democrático são apenas algumas das formas que encontramos de equilibrar as disputas políticas, assegurando a pluralidade com a manutenção da unidade nacional. Sem união, sem integridade territorial, uma nação perde sua Soberania. Por isso, é fundamental que tenhamos em mente a necessidade estratégica de assegurar a integridade territorial e a Soberania do Brasil, pois sem Soberania nenhum Estado consegue garantir a Democracia, a Cidadania ou a Liberdade do seu povo. 


Lucas Kerr Oliveira