Como tudo funciona
Considerando apenas os registros de temperatura do ar, 2007 se caracteriza como o 2º ano mais frio desde o estabelecimento da Eafc, em 1984. A média geral do ano, de janeiro a novembro, foi -3.5ºC. Conforme apresentado na Figura 1, em 2007 a temperatura do ar esteve bem abaixo da média mensal dos meses de março a julho e também em outubro e novembro.
Os dados anteriores aos da Eafc foram obtidos da antiga “Base G” inglesa que operou no mesmo local entre 1948 e 1961, de reanálises numéricas da NOAA (agência federal norte-americana que estuda as condições atmosféricas e dos oceanos) para o período 1961 a 1968, da estação russa Bellingshausen na Baía Fildes, com valores ajustados pela adição de +0.3ºC no período 1969 a 1977, e com dados da base polonesa Arctowski na entrada da Baía do Almirantado, de 1978 a 1985. Esta série de temperaturas do ar está apresentada no gráfico da Figura 2.
Aquecimento x resfriamento
As mudanças diárias na temperatura do ar se propagam no solo a partir de sua superfície, porém de forma mais lenta e amortecida. Em 2007, como resultado das temperaturas do ar mais baixas que o normal logo no início de março, o solo a 1 metro de profundidade (100 cm) teve um congelamento precoce em relação aos anos anteriores, e desde então assim permaneceu. Com as temperaturas do ar abaixo da média, e com extremos chegando a -25ºC por períodos prolongados, ocorreu o congelamento dos lagos, assim como da água no solo.
O lago sul, o menor dos dois, congelou logo em junho, depois de um trimestre (março a maio) com temperaturas do ar que se mantiveram na média de -3,5ºC, 1,8ºC abaixo da média. Há 36 anos não fazia tanto frio neste trimestre.
O lago norte, por ter maior volume de água, resistiu um pouco mais, até o final de setembro, mas as temperaturas de -8.5ºC em média do trimestre junho a agosto, com 2,6º abaixo da climatologia, fizeram com que seu congelamento se completasse.
O consumo de água durante este inverno também foi maior que a média, devido à maior população na estação, de cerca de 30 pessoas, o que facilitou o efeito do congelamento.
As baixas temperaturas do solo também contribuíram fortemente para esta situação, que atingiram o ponto de congelamento muito antes do esperado. A 120 centímetros de profundidade, o solo deveria iniciar seu congelamento por volta do dia 1º de maio, porém já estava abaixo de zero 40 dias antes, em 20 de março, e desde então não havia descongelado os primeiros dias de janeiro de 2008.
Veja, na figura abaixo, a atual situação dos dois lagos, em comparação com um ano atrás.
As temperaturas a 5 centímetros de profundidade tendem a acompanhar mais rapidamente as temperaturas do ar quando a cobertura de neve é de poucos contímetros, tanto que a menor temperatura a esta profundidade foi registrada no mesmo dia em que se registrou o recorde deste ano - em 25 de julho tivemos -24,7ºC no termômetro do abrigo meteorológico e -10,2ºC a 5 centímetros de profundidade. Os efeitos dos extremos de temperaturas, como esses descritos acima, podem levar até 3 dias para ser observados a 100 cm.
As chuvas, que poderiam ajudar no descongelamento dos lagos, este ano também ficaram abaixo da média. Entre janeiro e novembro são esperados em média 88 dias de chuva, mas houve somente 65 dias. No auge do inverno, durante os meses de julho e agosto, costumam ocorrer 10 dias de chuva, mas neste ano tivemos a metade disso.
Mais links interessantes
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)
Estudo indica tendência de resfriamento na Antártida
por Alberto Setzer e Marcelo Romão
Introdução
Durante todo o 2º semestre de 2007 e até os primeiros dias de janeiro de 2008, a Estação Antártica Comandante Ferraz (Eafc) enfrentou condições críticas de abastecimento de água doce, com um racionamento extremo e inédito devido ao congelamento dos dois lagos que abastecem a Estação.
Considerando apenas os registros de temperatura do ar, 2007 se caracteriza como o 2º ano mais frio desde o estabelecimento da Eafc, em 1984. A média geral do ano, de janeiro a novembro, foi -3.5ºC. Conforme apresentado na Figura 1, em 2007 a temperatura do ar esteve bem abaixo da média mensal dos meses de março a julho e também em outubro e novembro.
Figura 1:
temperatura 2007 x temperatura média
temperatura 2007 x temperatura média
Em 1986, ano mais frio registrado, a temperatura foi de -3.8ºC. Antes do início das medições, porém, outros anos foram mais frios que 2007:
- -4.0ºC em 1980
- -3.8ºC em 1969
- -4.9ºC em 1959
- -4.4ºC em 1958
- -3.7ºC em 1954
- -4.0ºC em 1950
- -4.4ºC em 1949
Os dados anteriores aos da Eafc foram obtidos da antiga “Base G” inglesa que operou no mesmo local entre 1948 e 1961, de reanálises numéricas da NOAA (agência federal norte-americana que estuda as condições atmosféricas e dos oceanos) para o período 1961 a 1968, da estação russa Bellingshausen na Baía Fildes, com valores ajustados pela adição de +0.3ºC no período 1969 a 1977, e com dados da base polonesa Arctowski na entrada da Baía do Almirantado, de 1978 a 1985. Esta série de temperaturas do ar está apresentada no gráfico da Figura 2.
Figura 2:
Temperatura média em Ferraz - de 1945 a 2007
Temperatura média em Ferraz - de 1945 a 2007
Aquecimento x resfriamento
Considerando as médias das temperaturas anuais da série desde 1948, constata-se a tendência de aquecimento de 0,33°C (graus Celsius) por década. Entretanto, se a série for restrita apenas ao período a partir de 1986, a tendência desaparece, e curiosamente, para os últimos 11 anos, ou seja, a partir de 1997, verifica-se tendência de resfriamento de 0,47ºC por década.
E, ainda conforme a Figura 2, nota-se que variações bruscas nas médias de anos próximos são comuns na série de dados. Ou seja, o estabelecimento de padrões de aquecimento ou resfriamento na região deve ser analisado com bastante cuidado, principalmente em função do período considerado.
E, ainda conforme a Figura 2, nota-se que variações bruscas nas médias de anos próximos são comuns na série de dados. Ou seja, o estabelecimento de padrões de aquecimento ou resfriamento na região deve ser analisado com bastante cuidado, principalmente em função do período considerado.
Racionamento de água
O lago sul, o menor dos dois, congelou logo em junho, depois de um trimestre (março a maio) com temperaturas do ar que se mantiveram na média de -3,5ºC, 1,8ºC abaixo da média. Há 36 anos não fazia tanto frio neste trimestre.
O lago norte, por ter maior volume de água, resistiu um pouco mais, até o final de setembro, mas as temperaturas de -8.5ºC em média do trimestre junho a agosto, com 2,6º abaixo da climatologia, fizeram com que seu congelamento se completasse.
O consumo de água durante este inverno também foi maior que a média, devido à maior população na estação, de cerca de 30 pessoas, o que facilitou o efeito do congelamento.
As baixas temperaturas do solo também contribuíram fortemente para esta situação, que atingiram o ponto de congelamento muito antes do esperado. A 120 centímetros de profundidade, o solo deveria iniciar seu congelamento por volta do dia 1º de maio, porém já estava abaixo de zero 40 dias antes, em 20 de março, e desde então não havia descongelado os primeiros dias de janeiro de 2008.
Veja, na figura abaixo, a atual situação dos dois lagos, em comparação com um ano atrás.
Foto:
Congelamento dos lagos
Congelamento dos lagos
As figuras 3 e 4 mostram a linha de temperatura do termômetro de 100 cm de profundidade, que foi instalado no dia 28 de fevereiro deste ano junto à Torre dos Ingleses, com os outros geotermômetros do Projeto Meteorologia. Este termômetro indicou o início do congelamento em 07 de março, e o menor registro de temperatura no dia 27 de julho, quando se atingiu o valor de 7,2ºC negativos.
Figura 3 e 4:
Temperatura do ar e do solo em Ferraz - 2007
Temperatura do ar e do solo em Ferraz - 2007
As temperaturas a 5 centímetros de profundidade tendem a acompanhar mais rapidamente as temperaturas do ar quando a cobertura de neve é de poucos contímetros, tanto que a menor temperatura a esta profundidade foi registrada no mesmo dia em que se registrou o recorde deste ano - em 25 de julho tivemos -24,7ºC no termômetro do abrigo meteorológico e -10,2ºC a 5 centímetros de profundidade. Os efeitos dos extremos de temperaturas, como esses descritos acima, podem levar até 3 dias para ser observados a 100 cm.
As chuvas, que poderiam ajudar no descongelamento dos lagos, este ano também ficaram abaixo da média. Entre janeiro e novembro são esperados em média 88 dias de chuva, mas houve somente 65 dias. No auge do inverno, durante os meses de julho e agosto, costumam ocorrer 10 dias de chuva, mas neste ano tivemos a metade disso.
Solução para o descongelamento dos lagos
A solução para o descongelamento dos lagos depende de várias condições que propiciam a ocorrência e a manutenção da água na forma líquida. São elas:- Chuva: a infiltração da água da chuva (que sempre ocorre com temperaturas positivas) no lago ocasiona o rápido degelo, à medida que penetra nas rachaduras e fendas do gelo. Por isso é aconselhável fazer buracos com algumas dezenas de centímetros de diâmetro na parte congelada do lago para facilitar seu degelo;
- Radiação solar: o aumento da radiação solar, à medida que o verão avança, e em dias sem nuvens, auxilia o degelo, pois há mais absorção de energia pela neve/gelo e pelo solo, favorecendo seu aquecimento;
- Temperatura do ar: temperaturas positivas obviamente causam o degelo, cabendo lembrar que o primeiro mês após o inverno com temperatura média positiva na Eacf costuma ser dezembro, com média +1.3°C. Alguns eventos extremos contribuem fortemente para o degelo, como no caso de picos de temperatura causados pelas massas de ar vindas de Norte, que têm a duração de alguns dias, e que podem atingir +10ºC;
- Derretimento da neve nos morros: o derretimento da neve que esteja em cotas mais elevadas que as dos lagos contribui para a sua recuperação, da mesma forma que a chuva. Porém, para que isso ocorra também são necessárias temperaturas do ar e do solo positivas, o que ainda não ocorreu de forma regular após o inverno em 2007.
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