31/03/2012
Como os BRICS podem mudar geopolítica do mundo
Um jovem pesquisador brasileiro sustenta: EUA e Europa querem minar a aliança das periferias, porque não aceitam dividir poder global
Por Gabriel Elizondo, correspondente da Al Jazeera no Brasil
Tradução: Daniela Frabasile
Oliver Stuenkel (na foto abaixo) fez parte da delegação brasileira para o fórum acadêmico Track II,
em preparação para a Cúpula de Nova Délhi para líderes do Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS), que aconteceu na quinta
feira.
Stuenkel é especializado nas relações do Brasil com a Índia, mas
também foca mais amplamente suas pesquisas nos BRICS. Ele é atualmente
professor de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas, em São
Paulo. Também coordena um blog chamado Post Western World, que olha como as potências emergentes estão mudando o mundo.
Oliver Stuenkel: Ser parte dos BRICS é muito
importante por que o conceito tem implicações geopolíticas. O país é
visto como uma ameaça potencial aos poderes estabelecidos. E o Brasil
tradicionalmente tem estado distante das áreas e temas mais importantes
do mundo. Nunca fora visto antes como uma ameaça potencial, ou um país
poderoso, com impacto relevante na situação global. Mas ser parte dos
BRICS muda esta percepção, em algum grau. A aliança faz do Brasil um
ator muito mais importante, na perspectiva europeia e norte-americana.
Penso que há, no Brasil, uma grande consciência de que ser parte
dessa aliança, ou grupo, pode permitir participar, por exemplo, no
debate sobre a emergência da Ásia. Isso é importante porque, até a
inclusão da África do Sul, os BRICS eram basicamente três países (China,
Rússia e Índia) que fazem parte da massa territorial da Eurásia. O
Brasil é muito distante deles, geograficamente. Combinado com o fato de
que Rússia, Índia e China se conhecem há muito tempo, isso contribuiu
para o fato que, até a África do Sul se juntar, o Brasil manter-se como
um estranho. A inclusão dos sul-africanos ajudou os BRICS a assumirem
dimensão global, capaz de representar mais continentes. Também fez com
que o Brasil se sentisse menos excluído.
As relações entre as Grandes Potências - EUA, Rússia e China - e as Potências Regionais Emergentes podem redefinir o Equilíbrio de Poder Internacional no Século XXI |
A China ultrapassou os Estados Unidos, como maior parceiro
comercial do Brasil. A relação do Brasil com os BRICS tornou-se mais
importante que a relação com os Estados Unidos, ou até mesmo o Mercosul?
Stuenkel: É difícil responder isso, mas o governo
brasileiro continua a focar na sua própria região. Existe um forte
reconhecimento, no Brasil, de que o país sempre será parte da América do
Sul e de que os laços econômicos e políticos com essa região sempre
serão uma prioridade. No que diz respeito aos Estados Unidos, acredito
que há uma divisão na liderança brasileira. Durante o governo Fernando
Henrique Cardoso, a maioria dos políticos diriam que os EUA eram
absolutamente uma prioridade. Mas agora, com os governos de Rousseff e
Lula, existem pessoas tentando equilibrar as duas. Acredito que o Brasil
nunca escolher entre os BRICS ou os Estados Unidos – sempre haverá um
certo equilíbrio.
Você acredita que os Estados Unidos e a Europa prefeririam que os BRICS fracassassem?
Stuenkel: No lado norte-americano, acho que existe
um interesse forte em reduzir os laços entre o Brasil e o resto dos
BRICS. Acredito existir um entendimento claro de que o fortalecimento
destas relações é problemático… Repare que há muito poucas alianças
poderosas no mundo sem nenhuma participação europeia ou norte-americana.
Os BRICS são a única. E esse não é o interesse dos Estados Unidos.
Você vê evidências de interesses poderosos tentando dividir os BRICS?
Stuenkel: Existem esforços, nos Estados Unidos, para
enfraquecer as relações entre o Brasil e os outros países do BRICS.
Vemos isso na mídia. É muito difícil encontrar hoje qualquer
comentarista norte-americano ou europeu que fale que o BRICS pode ser
algo bom, a ser apoiado. A visão dos comentaristas e acadêmicos
norte-americanos e europeus sobre o BRICS é muito mais cética que a
Índia, por exemplo — onde há um novo grupo de pensadores emergindo.
Qual o maior desafio que o BRICS enfrenta?
Stuenkel: Articular uma visão comum, para mostrar ao
resto do mundo que é uma aliança poderosa, que pode construir uma visão
clara do que quer… Também acho que os BRICS precisam ser mais
inovadores, porque agora estão sendo comparados a experiências passadas
como o G7 e mesmo a União Europeia e OTAN. Muitas pessoas dizem “os
BRICS não se parecem com a UE ou com a OTAN – por isso, vão falhar”.
Acredito que o verdadeiro desafio para é pensar fora do padrão,
considerar novas ideias, criar algo que nem existe ainda e não entrará
em xeque quando algum problema bilateral entre seus membros aparecer.
Se forem capazes de fazer isso, quais serão os resultados?
Stuenkel: Se os BRICS forem capazes de falar com uma
só voz em qualquer situação que envolva assuntos globais, vão se
converter imediatamente em construtores de agenda e numa voz muito
poderosa, que nem os Estados Unidos, nem a União Europeia poderão
ignorar. Seria a primeira vez que teríamos uma alternativa séria à
narrativa das potências estabelecidas sobre como ver o mundo. O controle
do discurso global pelos norte-americanos ainda é bastante forte,
porque os países emergentes não são capazes de articular uma visão
alternativa nesse ponto. Os BRICS podem mudar isso.
Algumas pessoas dizem que os BRICS já falharam, por não terem estabelecido narrativa e visão unificadas. Você concorda?
Stuenkel: Não. Acho que existe, nos Estados Unidos e
na Europa, interesse em assegurar que os BRICS não estabeleçam uma
narrativa. Muitas análises que procuram criar uma imagem de que o BRICS
são incapazes de encontrar essa visão comum. É bastante natural que
países que começaram a se reunir formalmente há apenas quatro anos ainda
tenham problemas a resolver. Nunca chegará o dia em que concordem em
tudo, assim como a União Europeia e a OTAN não concordam em tudo.
Por que alguém que vive fora dos países do BRICS deveria se
importar com eles, ou com o fato de se encontrarem anualmente como um
grupo?
Stuenkel: Porque os BRICS têm o potencial de se
tornarem uma voz muito importante. Não é possível resolver as mudanças
climáticas, nem lidar efetivamente com a instabilidade financeira
global, sem eles. Se estes cinco países disserem: “temos uma posição
comum quanto às mudanças climáticas”, isso será de importância crucial
para a próxima cúpula sobre o tema, e para o próprio debate global.
Onde você vê os BRICS em 2030?
Stuenkel: Em 2030, das quatro maiores economias do
mundo, três serão países do BRICS. Eu acho que isso irá mudar
fundamentalmente o mundo.
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