quarta-feira, 31 de março de 2010

Mudanças Geopolíticas e o Brasil

Carta Maior
15/03/2010

DEBATE ABERTO

"Mudanças Geopolíticas e o Brasil"

Novas articulações e mudança na geopolítica mundial se fazem necessárias. Mas para repor o poder no lugar de sempre? Para mais mercado aos produtos dos países emergentes ou para outro modo de organizar as economias e as sociedades do mundo?

Na conjuntura eleitoral em que estamos entrando, vai ser importante ver como os diferentes atores se posicionarão diante do quadro externo que se está desenhando e os desafios para o Brasil. Esta pauta ocupa desde já os grandes jornais brasileiros, com foco nas iniciativas e movimentos do Governo Lula. O fato é que a geopolítica em mudança aponta para a necessidade de uma nova arquitetura do poder mundial. O desequilíbrio atual é evidente. Sobretudo com a crise e na crise, vieram à tona os limites e a total incapacidade da estrutura atual de fazer face aos desafios de profunda reorganização da economia e do poder no mundo, globalizado do jeito que foi. É neste contexto que precisamos nos situar como brasileiros e brasileiras, perguntando-nos sobre nós mesmos e o mundo. Dada a interdependência planetária, o tamanho do Brasil em população e território, com um enorme patrimônio natural, nossas propostas e escolhas têm impacto sobre o mundo tanto quanto sobre a nossa realidade doméstica. Podemos escolher, sem dúvida, mas o mundo nos cobra cada vez mais responsabilidade.

Vale a pena lembrar aqui alguns desafios para a humanidade, incontornáveis e urgentes. A ameaça da mudança climática e a incapacidade da estrutura de poder existente em enfrentá-la de forma adequada revela de forma dramática o tamanho do problema que temos diante de nós. As grandes corporações, que controlam as economias e os recursos, afetando o modo como vivemos, sem regulações em sua atuação, são uma espécie de infraestrutura da globalização que nos levou ao estado atual. Seu descontrole exacerba a destruição natural e a desigualdade social no mundo, levando ao extremo o modelo industrial, produtivista e consumista, que está no centro da questão da crise ambiental. O modo como está organizado o poder atualmente é totalmente incapaz para regular as corporações econômicas e financeiras, ainda mais que elas o contaminam e corrompem por dentro. O mundo como está, não consegue dar respostas às demandas de uma emergente cidadania planetária, que define um horizonte civilizatório de todos os direitos para todos os seres humanos, sem exclusões e discriminações.

A exclusão social, a pobreza e a desigualdade social são intrínsecas da lógica que organiza a economia e o mundo atual, feito para gerar e acumular riquezas e não para gestar sociedades sustentáveis e justas. Por isto, o poder que aí esta, com suas raízes presas nas entranhas de um sistema social excludente e ambientalmente destrutivo, não tem capacidade para atender à necessidade de reorganizar as condições de existência, apontando para sociedades sustentáveis, segundo as possibilidades de uso dos recursos naturais e sua regeneração. Para criar as bases de uma biocivilização, fundada na justiça social e ambiental, as mudanças na arquitetura do poder deverão ser profundas. Estamos diante da necessidade de um mundo organizado segundo outra lógica, de interdependência e responsabilidades compartidas, com maior solidariedade e cooperação, com menos homogeneidade e mais diversidade, segundo os ecossistemas e as culturais locais.

Enfim, precisamos de uma estrutura mundial capaz de dar lugar a uma relocalização de economias e poderes para melhor atender ao imperativo da sustentabilidade, da democracia participativa com a vibração da gente do lugar, de uma nova relação com a natureza, com centralidade nos bens comuns de todos e todas. Precisamos enfrentar pobrezas e injustiças, sem dúvida. Mas isto não pode servir de justificativa para destruir as condições de vida no planeta Terra.

Penso que é neste quadro que precisamos situar o debate sobre o Brasil no mundo. Já estamos participando de processos que nos devem fazer pensar. Estamos no G-20, algo melhor que o exclusivista clube fechado do G-8 – uma invenção dos governos dos países mais ricos para contornar as contradições e condicionalidades de uma organização como a ONU, potencialmente mais democrática. Fomos artífices de iniciativas Sul-Sul que tiveram impacto nas negociações comerciais, especialmente na cúpula da OMC, em Cancún. Depois ficou o fórum IBAS – Índia, Brasil e África do Sul. Como parte das negociações climáticas e das novas articulações necessárias, acabamos criando em Copenhagen o BASIC – Brasil, África do Sul, Índia e China. O tal “mercado” propôs e acabou realidade o BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China, o grupo das grandes economias emergentes.

Aqui na região, o Brasil tem um papel de destaque na UNASUL – União da América do Sul, uma construção política da própria idéia de região. Mas o Brasil é também a principal força de empuxe do IIRSA - Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana e as grandes corporações sob controle acionário de capital brasileiro se multinacionalizam com volúpia para controlar fatias da economia latinoamericana, processo aliás que se estende para a África. Enquanto isto, do ponto de vista econômico, a presença brasileira no mercado mundial é cada vez mais via produtos primários, produtos que tem a natureza como seu componente principal. Enquanto o mundo discute formas de destruir menos, nós vamos fundo no extrativismo dos bens comuns naturais!

Afinal, o que significa isto tudo? Que Brasil emerge nestes processos? Um tal papel é o que mundo precisa dados os desafios que assinalei acima? Novas articulações e mudança na geopolítica mundial se fazem necessárias. Mas para repor o poder no lugar de sempre? Para mais mercado aos produtos dos países emergentes ou para outro modo de organizar as economias e as sociedades do mundo? Para fazer o que até aqui foi exclusividade dos países industrialmente ricos, imperialistas e ex-potências coloniais? Ou para mais solidariedade nas relações entre povos e sustentabilidade da vida no planeta, com sociedades baseadas nos princípios de equidade, justiça social, respeito à diversidade, participação social e uso sustentável dos recursos naturais? Espero que um tal debate tenha lugar na conjuntura eleitoral e nós, cidadãs e cidadãos, tenhamos visão do alcance mundial da escolha que fizermos.

Cândido Grzybowski, sociólogo, é diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
 

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